segunda-feira, 16 de maio de 2016

Jiu-Jítsu vira "salvação" para lutadores brasileiros em Abu Dhabi

Arte suave é praticada nas escolas, nas Forças Armadas e, recentemente, na Polícia. Estabilidade financeira atrai atletas canarinhos, os melhores do mundo na modalidade



Ricardo Evangelista e Igor Silva posam diante da mesquita, principal ponto turístico do país (Foto: Arquivo pessoal)

Capital dos Emirados Árabes Unidos, Abu Dhabi mistura ares de modernidade e conservadorismo. Em uma cidade repleta de mesquitas e forte presença religiosa, o jiu-jítsu é tratado como sagrado. Obrigatório nas escolas e nas Forças Armadas, a "arte suave", agora, é praticada pela Polícia. A demanda, que vem crescendo nos últimos anos, virou salvação para os faixas-pretas brasileiros, que têm um novo eldorado, capaz de dar estabilidade financeira e reconhecimento profissional.


Um dos principais lutadores da GFTeam, Ricardo Evangelista, há três anos engrossou a lista de brasileiros que se mudaram para Abu Dhabi com o intuito de viver do jiu-jítsu. Formado em Educação Física, o faixa-preta dava aula em cinco locais distintos no Brasil, e ainda fazia bicos como segurança no Maracanã para complementar a renda. Ainda assim, o dinheiro terminava antes do mês chegar ao dia 30.


O convite para dar aulas de jiu-jítsu em uma unidade militar veio na hora certa. Evangelista aceitou o desafio. Concilia a carreira profissional com a função de professor, assim como no Brasil. Entretanto, a carga horária diminuiu ao passo que o salário aumentou.

Ricardo Evangelista ficou em terceiro lugar no Mundial Profissional, realizado todo ano em Abu Dhabi (Foto: Reprodução/Instagram)

- No Rio, eu tinha que me desdobrar fazendo seminários e bicos para criar uma renda. A parte financeira melhorou bastante, não me preocupo com as contas. Com o que recebo aqui, faço tudo e ainda sobra uma grana para juntar e ajudar meus pais. É gratificante estar em um local onde você é reconhecido, onde as pessoas te valorizam, como deveria ser. Precisamos sair do Brasil, da cidade onde nascemos, para isso acontecer e termos um salário digno. Lá é difícil de viver da luta.

A luta, no Rio de Janeiro, é pela sobrevivência. Evangelista, que antigamente dormia meia-noite e se levantava às 5h, passou do caos para a tranquilidade de Abu Dhabi, uma das cidades mais seguras do mundo.

- A qualidade de vida que tenho aqui é gigante. Não tenho que tanto quanto antes, está sendo maravilhoso, um momento especial na minha vida. Está tudo indo bem. Consigo fazer minhas coisas sem me preocupar com as contas a pagar. O meu contrato aqui é renovado todo ano e, do jeito que as coisas estão no Brasil, não tenho vontade de retornar. Por enquanto, deixo a vida me levar.

A porta de entrada de Evangelista no mundo árabe foi Igor Silva, seu companheiro de treinos. Há dois anos e meio em Abu Dhabi, Igor - morador do Jardim Botânico, zona sul do Rio -, partilhava do mesmo perrengue que o amigo. E a mudança de rumo, igualmente, lhe fez bem.

Igor Silva, que morava no Rio de Janeiro, garante que a qualidade de vida melhorou nos Emirados Árabes (Foto: Reprodução/Instagram)

- Eu morava em uma área legal, onde tudo era caro. Dava aulas, seminários e ainda assim a situação ficava apertada em função do aluguel. Em Abu Dhabi, temos moradia por conta do trabalho, o que é um custo a menos. Com a estabilidade financeira que eu tenho, posso procurar outras formas de investir. Meu filho nasceu aqui. Talvez, no Brasil, não tivesse como, pois tudo era muito contado. Aqui posso ter coisas que eu não tinha condição de ter e viajo tranquilamente para os campeonatos.


Sem depender da quantidade de alunos nas aulas - o salário é fixo - Igor Silva garante que os brasileiros que buscaram a vida em Abu Dhabi o fazem pelos mesmos motivos que ele.


- As pessoas vêm para ter uma vida estável. No Brasil, é uma jornada correndo de um lado para o outro. Aqui você vive do trabalho e é bem remunerado. É isso que atrai tanta gente. Por ter me adaptado rapidamente e estar satisfeito, pensamos em ficar por aqui. Gostamos daqui. Pensamos em voltar um dia, mas o que mais vemos é gente querendo seguir esse caminho.


Antes de a dupla chegar, Marcão Oliveira, faixa-preta de Ricardo Libório, já estava em Abu Dhabi. Desde 2009 no país, o veterano deixou os Estados Unidos, onde esteve desde 2001, para se aventurar no novo desafio. O arrependimento passa muito longe.

Marcão Oliveira está ambientado no país, onde consegue treinar, trabalhar e competir (Foto: Arquivo Pessoal)


- Sou funcionário do escritório do sheik Tahnoon há anos e, em 2013, abrimos a Abu Dhabi Top Team. O país está investindo no alto rendimento do esporte. A melhor coisa é poder vivenciar isso acontecendo. O custo de vida aqui é alto, eu pago muito caro na creche do meu filho, por exemplo, a alimentação também não é barato. Mas a vida aqui é boa, isso é incontestável. Temos segurança, posso desfrutar de grandes treinos, consigo viajar para países legais aqui por perto. Eu enxerguei em Abu Dhabi uma enorme oportunidade e estou construindo a minha família no deserto.

ABU DHABI: CAPITAL DA ARTE SUAVE


Criado no Japão, o jiu-jítsu foi apresentado à família Gracie, no Brasil, em 1914, por Mitsuyo Maeda, o Conde Koma. O clã do país, que passou o conhecimento da arte de geração para geração, foi responsável por refinar as técnicas do esporte, conhecido por "Brazilian Jiu-Jitsu" (BJJ).

A entrada de Abu Dhabi no mapa da arte suave se deu através do sheik Tahnoon bin Zayed bin Sultan Al Nahyan. Depois de se apaixonar pelo UFC no início dos anos 90, quando foi para os Estados Unidos estudar, Tahnoon entrou para a Gracie Barra San Diego, onde conheceu o professor Nelson Monteiro. Sem se identificar como integrante da família real de Abu Dhabi, o emiradense treinou na academia, teria limpado o tatame - ritual cumprido por novatos - e revelou sua verdadeira identidade ao brasileiro apenas ao término da viagem. Da jornada, levou na bagagem o conhecimento e levou o jiu-jítsu ao seu país. Tahnoon, que hoje detém 10% do Ultimate, foi um dos criadores do ADCC (Abu Dhabi Combat Club) - principal evento de luta agarrada do mundo - em 1998.

Tahnoon (ao centro) costuma convidar astros brasileiros do esporte para treiná-lo (Foto: Arquivo Pessoal)

Se Tahnoon plantou a semente, quem expandiu e institucionalizou o esporte em Abu Dhabi foi seu irmão mais velho Mohammed bin Zayed Al Nahyan, que lidera o país. Ao ver que seu filho - introspectivo e tímido - se transformou em um adolescente ativo e confiante ao começar a praticar jiu-jítsu trazido por Tahnoon, Mohammed "adotou" a modalidade, colocando-a como obrigatória nas escolas, nas Forças Armadas e, recentemente, na Polícia.

DUBAI AINDA ENGATINHA


Conhecida mundialmente pelas construções megalomaníacas, viabilizadas pelas abundantes reservas de petróleo na região, Dubai é a segunda maior cidade dos Emirados Árabes Unidos. E, no tocante ao jiu-jítsu, também está atrás de Abu Dhabi.

Rafael Haubert declara que a filial da Team Nogueira em Dubai conta com, aproximadamente, 300 alunos (Foto: Marcelo Barone)

Separadas por uma longa estrada, que corta o deserto em uma extensão de 120 quilômetros, Dubai ainda engatinha em relação à capital. Entretanto, aos poucos as equipes vão surgindo e angariando novos adeptos do esporte. É o que vem acontecendo com a Team Nogueira - rede de academias liderada por Rodrigo Minotauro e Rogério Minotouro - cuja filial foi inaugurada há três anos em Dubai.

Administrada por Rafael Haubert, que procura levar estrelas do esporte para aprimorar as técnicas dos atletas, afirma que possui cerca de 300 alunos, incluindo crianças.

- Quando tem algo que dá resultado, como em Abu Dhabi, todos vão seguindo. Não só Dubai, mas nos outros emirados, como Sharjah, Aljman, R'as al-Khaimah, que estão seguindo essa visão de investir no jiu-jítsu e fazê-lo crescer. Cheguei em Dubai em 2009, e a procura aumentou nos últimos anos, com certeza. Na televisão, tem um canal que passa lutas de jiu-jítsu o tempo todo. Quando a informação chega, as pessoas começam a buscar, ainda mais vendo a família real treinando.

Líder da Gracie Barra em Dubai, Henrique Santana, o Lagartixa, está no país há dois anos. Movido pela vontade de difundir o jiu-jítsu na região, o baiano deixou a Inglaterra e está esperançoso. As duas filiais, ainda que recentes, recebem boa procura de interessados em praticar o jiu-jítsu, que é obrigatório nas Forças Armadas, mas não na Polícia e nas escolas.

Lagartixa acredita no crescimento do esporte (Foto: Marcelo Barone)

- O pensamento do país é o mesmo que tinha Carlos Gracie: expandir o jiu-jítsu para o mundo, para que todos possam participar e ter uma vida melhor. Através do jiu-jítsu as pessoas têm mais facilidade de trabalhar com união. O jiu-jítsu é uma maneira que as pessoas acham fácil de poder entrar em forma física e mentalmente. É um trabalho que você mexe muito com o corpo em geral. E como o jiu-jítsu é um esporte nacional, todos estão à procura. A prova disso é que a gente está aqui e, em menos de quatro meses, já temos mais de 50 alunos. É uma academia privada, que não tem suporte do governo. A outra Gracie Barra já está com uma base de 20 alunos e foi inaugurada há dois meses. Está crescendo tanto quanto essa.

Tanto Rafael Haubert quanto Henrique Lagartixa concordam que a evolução do jiu-jítsu em Dubai é questão de tempo. Em meio à pujança financeira, explícita em carros conversíveis, prédios reluzentes e shoppings quilométricos, a simplicidade do centenário e tradicional jiu-jítsu, paulatinamente, encontra uma brecha para crescer e entrar na rotina da população.

Fonte: http://sportv.globo.com.br

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